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Literatura

Brasil mostra sua cara diversa em festival literário que o homenageia na França

O festival Étonnants Voyageurs homenageou o Brasil, que foi representado por autores selecionados pela Festa Literária das Periferias

Redação Jornal de Brasília

10/06/2025 13h28

Étonnants voyageurs festival

Foto: Reprodução/ Étonnants Voyageurs

SAINT-MALO, FRANÇA (FOLHAPRESS)

O desenho do rosto de Marielle Franco toma as ruas de toda uma cidade, estampando um cartaz estilizado que está em evidência para onde quer que você olhe -mas não é um protesto político no Brasil, e sim um festival literário na França.

A pequena cidade de Saint-Malo, vila murada de raízes medievais no noroeste francês, hospedou de sábado até segunda um dos mais importantes eventos de literatura do país, o Étonnants Voyageurs, que neste ano foi anfitrião de uma homenagem ao Brasil, representado por autores selecionados pela Festa Literária das Periferias, a Flup.

O contexto são as comemorações do ano cruzado Brasil-França, dias após uma visita oficial do presidente Lula ao país que terminou simbolizada pelo abraço de urso que o chefe de Estado brasileiro deu em Emmanuel Macron, sua contraparte sa, de mãos dadas em frente a uma Torre Eiffel iluminada de verde e amarelo

Comparada a isso, as celebrações do festival literário tiveram tom menos “cringe”, como diria a geração Z, já que a delegação levada pela Flup procurou desfazer ufanismos e se ater a um mosaico mais próximo à realidade concreta do país.

“É importante mostrar esse Brasil para além do estereótipo que a Europa está acostumada a ver”, diz Djamila Ribeiro, uma das convidadas. “Puderam ver mulheres negras, que geralmente são olhadas num lugar de sexualização, como escritoras.”

Reflexo disso é que Marielle inspirou o pôster oficial do evento, segurando um livro aberto nas mãos, num discurso afinado ao que diz a diretora de programação do festival de Saint-Malo, Lucie Milledrogues.

“Na França, quando você fala no Brasil, se pensa em futebol, praias, sol, favela, crime, drogas. Queríamos desconstruir essa imagem e mostrar os autores de uma nova literatura que está chegando do país.”

Junto com Djamila, viajaram na delegação o também colunista da Folha Bernardo Carvalho e os escritores Itamar Vieira Junior, Jeferson Tenório, Eliana Alves Cruz, Geovani Martins e Daniel Munduruku -este, o único da lista que não estava lançando tradução francófona de uma obra recente sua.

O quadrinista Marcello Quintanilha e a cineasta Graciela Guarani fechavam o grupo, e a Flup sugeriu ainda um concerto do pianista Amaro Freitas, que mistura o piano de jazz mais familiar aos europeus com sons de inspiração indígena e afro-brasileira.

Foi de sensibilidades como essa, diz Milledrogues, que veio a aproximação com a Flup. Ela ressalta que há diferenças consideráveis entre os dois festivais -a festa carioca das periferias tem público bem mais jovem e menos branco-, mas ambas se afinam na vontade de apresentar ao seu público vozes revigorantes, olhando às margens em busca dessas novidades.

Se os autores da delegação já são conhecidos no Brasil, ainda não gozam da projeção internacional de um Jorge Amado, então foram recebidos com frescor pelas plateias -que de fato transpareciam avidez por ouvir suas palestras.

Uma mesa que reuniu Carvalho, Alves Cruz e Vieira Junior na tarde de domingo, num espaço chamado Café Literário com capacidade para 400 pessoas, tinha gente sentada no chão e escorada de pé nas paredes -mesmo idosos, a faixa etária predominante entre quem compareceu ao festival.

O auditório maior do evento, onde cabiam mil pessoas, sediou no sábado à tarde uma exibição lotada de “Meu Sangue É Vermelho”, filme de Graciela Guarani que intercala mobilizações indígenas à carreira do jovem rapper Werá Jeguaka Mirim e teve agem quase despercebida no circuito brasileiro.

Depois, a documentarista não perdeu a fidelidade do público ao clamar contra o que apelidou de “PL da devastação”, em referência ao projeto em trâmite no Congresso que flexibiliza as regras de licenciamento ambiental, dividindo um papo com Daniel Munduruku e os autores de “Torto Arado” e “Os Substitutos”.

Não é que não houvesse concorrência. Nos edifícios de Saint-Malo avam também, ao longo do fim de semana, medalhões ses como Philippe Descola e Leïla Slimani, estrelas argentinas como Selva Almada e Agustina Bazterrica e nomes em ascensão como Neige Sinno, vencedora recente do Femina, e Paul Lynch, ganhador do Booker -os dois terão seus livros badalados, “Triste Tigre” e “A Canção do Profeta”, lançados no Brasil no segundo semestre.

Enquanto Lynch palestrava numa sala do espaço cultural La arelle, na manhã desta segunda, uma sala de cinema contígua promovia a primeira exibição sa de “O Último Azul”, filme ambientado na amazônia pelo qual o pernambucano Gabriel Mascaro venceu o Urso de Prata no Festival de Berlim -e que ainda não foi mostrado ao público em seu país natal.

O Étonnants Voyageurs se identifica como um “festival do livro e do filme”, ainda que sua diretora reconheça que o peso maior recai no primeiro, com lançamentos literários quatro vezes mais presentes na programação que os cinematográficos.

É uma festa já tradicional no calendário francês há 35 anos, ocupando sempre o final de semana que se estende para o feriado da segunda-feira de Pentecostes, ponto facultativo na terra de Voltaire. Por isso o público costuma ser cativo, lotando mais de dez salas de eventos na cidade de manhã até a noite.

Djamila, que já tem cinco livros lançados na França, diz que a exposição em Saint-Malo é maior do que o que está acostumada, pelos holofotes e engajamento do público. Está lançando por lá a tradução sa de “Cartas para Minha Avó”, e os exemplares que levou já tinham acabado na segunda.

O acordo do Étonnants Voyageurs com a Flup é no esquema “uma mão lava a outra”. Ou seja, em novembro, será a vez dos ses mostrarem sua cara no Rio de Janeiro -a ver que cara será essa.

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